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Vivendo Junto

BLOG : 9.11.06 postado por Itaulab às 4:46 PM


Publicamos em primeira mão o provocativo texto de Etienne Boulba, crítico independente de arte, sobre a Bienal 3000 de São Paulo, o último prank de Fred Forest.

A Bienal 3000 de São Paulo é um acontecimento que ficará na história da arte como um novo modelo para sua produção, difusão e relação com o público na sociedade da informação e comunicação, na qual vivemos.

A Bienal 3000 é uma Bienal planetária, digital, participativa e prospectiva que ocorre no espaço físico do MAC (Museu de arte Contemporânea de São Paulo) e no espaço virtual da Internet.

Diversos críticos de arte reunidos em Paris para seu Congresso Internacional em outubro de 2006 já a reconheceram sua importância. Além da 27ª Bienal que foi seu ponto de ancoragem, a Bienal 3000 de São Paulo questiona criticamente os circuitos da arte contemporânea e seu funcionamento. Em 1º de novembro de 2006 a ação Bienal 3000, concebida e realizada por Fred Forest, simultânea à 27ª Bienal oficial de São Paulo, já pode ser considerada um sucesso especial. Deve-se notar que este projeto continuará a se desenvolver até dia 15 de dezembro de 2006. Por conseguinte, pela comunicação viral induzida pelo artista na Internet através de suas próprias redes, este sucesso ainda não pôde atingir dimensão ainda mais importante. Até agora houve mais de 1.000 participações, boa parte delas do Brasil e América Latina, mas também da França, Portugal, Canadá, Bélgica, Itália, Eslovênia, Áustria, Polônia, etc. São pinturas, desenhos, fotos, vídeos, performances, esculturas, poemas e uma reflexão teórica sobre arte que indicam uma ampla diversidade de disciplinas representadas.

Tal participação já seria em si expressiva, mas o que chama a atenção é, de modo global, a própria "qualidade" das obras propostas pelos internautas! A experiência de Fred Forest é uma experiência enriquecedora na medida em que ela nos permite questionar, dentro da arte contemporânea, a pertinência dos julgamentos dos críticos (os curadores das bienais e outras manifestações) de quem decide, recusa ou ignora artistas que se candidatam a apresentar suas obras ao público.

O Congresso Internacional da AICA (Associação Internacional dos Críticos de Arte) que acabou há pouco em Paris, demonstra uma crise da profissão perante a dificuldade de seleção, que só cresce. O congresso percebe um deslocamento cada vez maior da estética para a sociologia e a antropologia. O problema que Forest quer marcar, ele que é doutor pela Sorbonne e tem assim respaldo para se manifestar sobre esta situação, do mesmo modo que um curador de qualquer exposição oficial, é a onipresença do mercado, seja em São Paulo, na Documenta de Kassel, na Bienal de Veneza ou na FIAC em Paris - o que contribui a prerrogativas e arbitrariedades que influenciam direta ou indiretamente a seleção de obras. Assim, seria a economia quem, em última instância, determinaria e legitimaria quais os valores simbólicos da sociedade contemporânea? Sabendo-nos breves, poderíamos dizer que não é mais Kant quem decide, ou Artur Danto, mas Bill Gates hoje e, amanhã, o Google!

Se a 27ª Bienal recorres a Roland Barthes para legitimar seu conceito fundador, se fosse para lançar mão da reflexão universitária francesa, ela poderia fazer o oposto e recorrer a outro filósofo, Jean Baudrillard, que teve a oportunidade de denunciar em alto e bom tom a arte contemporânea como uma impostura.

O segundo ponto que gostaríamos de notar é como a ação de Forest ressalta o fracasso desta 27ª Bienal que pretendia, sem prudência, e apoiada por propagandas e colóquios preparatórios, ser uma bienal popular, periférica, dispersa, etc. O resultado negativo é edificante e não serão dois ou três grupos político-sindicais, utilizados como álibis, que mudarão algo. Lisette Lagnado é muito mais inteligente que isso para saber que a questão da arte não é uma questão de bons sentimentos, mas de educação, do meio social e da transformação das superestruturas, como diria Marx. Neste caso não se trata de um filósofo do Colégio da França quem poderia mudar alguma coisa, de qualquer modo, um político à la Lula, se não o derrubam de seu pedestal.

A ação de Fred Forest pretende por sua demonstração crítica apontar para, de um lado, a arbitrariedade de escolha das bienais oficiais e, de outro, mostrar que as redes da Internet e seus espaços virtuais constituem-se como uma alternativa digital que pode sinalizar uma mudança cultural inexorável. Na ação de Forest, artistas reconhecidos e importantes também quiseram se manifestar. Foram os casos de Eduardo Kac, Clemente Padin, Maurice Benayoun, Miguel Chevalier, Lucas Bambozzi, Gilbertto Prado, Roland Baladi, Roland Sabatier, Jean-Noel Laszlo e dezenas de outros. Mas na Bienal 3000 também há numerosos outros artistas que jamais foram convidados para uma Bienal, cuja produção não deixa nada a desejar ao que vemos nas galerias de Nova York, Londres, Milão ou Berlim, ou mesmo em alguns museus de arte contemporânea que frequentemente se contentam em seguir o movimento e se enquadrar no mercado. Um mercado que, sob a forma do marketing cultural, faz e desfaz valores e reputações como em manipulações da bolsa.

Forest nos mostra, com a Bienal 3000, que vias alternativas se abrem a esses artistas agora, que capazes de por conta própria utilizar as tecnologias de comunicação. Em vão, Fred Forest pediu cortesmente a Lisette Lagnado a possibilidade de organizar com ela um debate público sobre essas questões, mas a única resposta da curadora da 27ª Bienal, até agora, é uma recusa silenciosa, prudente e envergonhada.

Enfim, para finalizar, é importante dizer que Fred Forest fez uma instalação no MAC com um dispositivo pelo qual sua Bienal do Ano 3000, de maneira minimalista, permite por um minúsculo orifício, que se descubra a imensidão do mundo. A imensidão de um mundo infinito, onde imagens, sons, palavras, vídeos, propagam-se por um espaço virtual apropriado pela arte atual. Se a 27ª Bienal oficial de São Paulo não apresenta sequer uma instalação ligada à Internet, Fred Forest mostra que ele, sim, conseguiu realizar uma Bienal popular, periférica e dissolvida que a Bienal oficial tanto quis realizar. Será preciso esperar que este ensinamento seja apropriado pela Bienal oficial do ano 3000...